Thursday, July 21, 2005

O porquê da saída

Uma visão:

Na entrevista ao DN que tanta tinta fez correr, Freitas do Amaral apontou um defeito ao governo em geral e ao primeiro-ministro em particular: a ausência de uma estratégia de comunicação adequada para explicar ao país a necessidade das medidas restritivas.

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros acertou numa parte da sua análise - a dificuldade em explicar -, mas errou redondamente no mais importante: o que os portugueses precisam, realmente, ver explicado.

Os reformados, os trabalhadores, os pequenos empresários podem queixar-se - com razão - que são sempre os mesmos a pagar as favas. Mas não precisam que lhes expliquem - porque são os primeiros a senti-lo - que o país está em crise e que só um valente apertar de cinto nos pode salvar.

O que os portugueses não conseguem compreender é que, a par das medidas de austeridade, se lancem obras faraónicas, de utilidade e rentabilidade difíceis de projectar. É como se um chefe de família a viver do subsídio de desemprego decidisse começar agora a construir uma casa maior, porque daqui a meia dúzia de anos poderá ter mais um filho ou dois…

É esta a (aparente?) contradição que os portugueses precisavam ver explicada. E (aparentemente) têm agora essa explicação. Não directamente, através de uma cuidada acção pedagógica do governo, mas indirectamente, através da saída de Campos e Cunha do governo. A conclusão é fácil: o lançamento de obras faraónicas não faz qualquer sentido para o país, na actual conjuntura - e terá sido esse o cavalo da batalha perdida pelo independente Campos e Cunha, o que o terá levado a abandonar o Governo. Do outro lado da barricada, estavam os que não conseguem pensar no país sem pensar no partido, que precisa de grandes obras para ganhar votos e garantir financiamentos.

Claro que a dependência dos chamados "partidos de poder" das grandes obras públicas não pode ser explicada por nenhum governo do mundo, porque é vergonhosa e envolve aspectos de legalidade duvidosa. Mas ao povo, que não é estúpido e lhe deu uma confortável maioria absoluta, José Sócrates tem agora a obrigação de explicar outras coisas: que o rumo é traçado pelo governo, e não pelo partido; que o seu governo representa mesmo, como ele conseguiu convencer os portugueses, um corte com a história recente da acção governativa em Portugal; que ele, José Sócrates, é mesmo o homem certo na hora certa e continua a merecer a confiança que a maioria dos portugueses nele depositou. Para isto, Sócrates precisa de muito mais que estratégias de comunicação. Precisa de coerência.

Paulo Camacho

www.sic.pt

0 Comments:

Post a Comment

<< Home