Entrevista a José Ferreira Machado: "Resolver o défice é resolver o problema do Estado na economia"
Portugal poderá tornar-se o Alabama, se uma reforma de mentalidades, a par
da Constituição, não se verificar.
José António Machado, director da Faculdade de Economia da Universidade
Nova de Lisboa, acredita que o Estado está demasiado presente na economia
portuguesa. Não havendo varinhas mágicas ou bolas de cristal que
condicionem e prevejam o futuro, a solução mais sensata é libertar a
economia e devolver a iniciativa, à iniciativa privada. Assim, o
professor universitário defende que se criem oportunidades e se dêem
incentivos para que as coisas funcionem. É a resposta liberal do líder
de uma das principais escolas de economia do país.
Qual o principal problema da economia portuguesa?
O principal problema é a Constituição [da República Portuguesa]. A
Constituição é um obstáculo a tudo o que é necessário a fazer na economia.
O covil do monstro [da despesa pública] é a Constituição.
Esta não é uma visão legalista, para quem é director de uma faculdade de
economia?
Focar na Constituição é focar no cerne dos nossos problemas. A maior parte
das reformas que é preciso fazer são anticonstitucionais. Quando as
pessoas tiverem dispostas a mudar este aspecto, estão dispostas a mudar
muito mais.
As pessoas estarão dispostas a fazer essa mudança constitucional?
Provavelmente não estão. Mas a realidade vai se encarregar de as fazer
aceitar. As pessoas na Argentina também achavam que tinham direitos
adquiridos Eu ao dizer que o problema está na Constituição estou a ser
provocador. Provavelmente pensava que eu iria dizer que o problema era o
défice. Mas é claro que o défice não se resolve assim: congelando os
salários da função pública. Resolver o problema orçamental é resolver o
problema do Estado na economia.
Como vê a saída do professor Campos e Cunha?
Quando li o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) lembrei-me
daquelas cargas da cavalaria ligeira em que o capitão vai à frente e olha
para trás e o resto da cavalaria não o acompanha. O PEC era o programa do
ministro das Finanças. Não se consegue resolver o problema da despesa
pública se se achar que o controlo dos gastos é somente da
responsabilidade do ministro das Finanças. É da responsabilidade do
Governo e neste sentido não há vida para além do défice.
Muitos governos têm esta tentação: acham que escolhendo um académico
reputado com fama de duro resolve o problema. Isto não dá resultado, nem
vai dar.
Porque é que Portugal não cresce?
Se nós virmos o século XX, Portugal foi o país que mais cresceu no mundo.
Estamos agora numa área onde os nossos parceiros estão a crescer mais.
Portugal vai com certeza crescer em termos absolutos. Mas há muitos que
vão melhorar mais depressa que nós e por isso vamos ficar com a sensação
que ficamos para trás. Eu comparo isto com o Alabama. A maior parte das
pessoas do mundo gostaria de viver nesse Estado norte-americano face aos
países onde estão. Mas o Alabama é o pior Estado dos EUA. Não é mau viver
nesse Estado, excepto se se considera a possibilidade de viver em qualquer
outro.
Mas porque não crescemos mais do que os nossos parceiros?
Tem haver com os fundamentos do crescimento: a educação da força de
trabalho; o mau funcionamento da justiça, e um mercado de trabalho
extremamente pouco flexível.
A mesma taxa de desemprego esconde fluxos muito diferentes de entrada e
saída no mercado de trabalho. E esses fluxos é que são importantes uma vez
que têm a haver com a rapidez com que os recursos se adaptam à realidade,
com os enlaces que se estabelecem.
A chave da produtividade é um bom enlace: ter os trabalhadores certos na
empresa certa. Actualmente a mobilidade no mercado de trabalho não existe.
Depois há pequenas coisas. Um desrespeito latente e permanente à ordem...
O estacionamento é disso exemplo.
Associado a um aumento consumo não está um sacrifício maior do futuro?
Se os créditos estão associados a julgamentos de mercado esse problema não
existe. Como é necessário servir a dívida, esses empréstimos têm de ter
uma rendibilidade superior à taxa de juro de mercado. Embora, é óbvio que
há riscos.
O crédito é uma coisa boa. É uma das maiores invenções da humanidade.
Permite suavizar padrões de consumo, transferir rendimentos para períodos
diferentes no tempo. Se não houvesse crédito não haveria investimento e o
bem-estar das famílias seria muito menor. A demonização do crédito é algo
que não partilho.
E as importações? São algo demoníaco?
As importações são uma coisa excelente também. São também uma grande
invenção da humanidade. Eu consumo o que importo. O meu bem-estar depende
daquilo que importo. Claro que eu preciso de pagar as importações, por
isso tenho de exportar.
As importações aumentam o que tenho disponível para consumir. Pior não
posso ficar. Se alguém me dissesse que eu poderia importar sem produzir e
sem exportar, isso era o nirvana.
O investimento público só faz sentido no longo prazo, se atacar os
fundamentos do crescimento económico
Tem-se falado muito na questão do investimento público para dinamizar a
economia. Faz sentido esta abordagem?
O investimento público ou faz sentido no longo prazo, ou então não faz
sentido nenhum.
da Constituição, não se verificar.
José António Machado, director da Faculdade de Economia da Universidade
Nova de Lisboa, acredita que o Estado está demasiado presente na economia
portuguesa. Não havendo varinhas mágicas ou bolas de cristal que
condicionem e prevejam o futuro, a solução mais sensata é libertar a
economia e devolver a iniciativa, à iniciativa privada. Assim, o
professor universitário defende que se criem oportunidades e se dêem
incentivos para que as coisas funcionem. É a resposta liberal do líder
de uma das principais escolas de economia do país.
Qual o principal problema da economia portuguesa?
O principal problema é a Constituição [da República Portuguesa]. A
Constituição é um obstáculo a tudo o que é necessário a fazer na economia.
O covil do monstro [da despesa pública] é a Constituição.
Esta não é uma visão legalista, para quem é director de uma faculdade de
economia?
Focar na Constituição é focar no cerne dos nossos problemas. A maior parte
das reformas que é preciso fazer são anticonstitucionais. Quando as
pessoas tiverem dispostas a mudar este aspecto, estão dispostas a mudar
muito mais.
As pessoas estarão dispostas a fazer essa mudança constitucional?
Provavelmente não estão. Mas a realidade vai se encarregar de as fazer
aceitar. As pessoas na Argentina também achavam que tinham direitos
adquiridos Eu ao dizer que o problema está na Constituição estou a ser
provocador. Provavelmente pensava que eu iria dizer que o problema era o
défice. Mas é claro que o défice não se resolve assim: congelando os
salários da função pública. Resolver o problema orçamental é resolver o
problema do Estado na economia.
Como vê a saída do professor Campos e Cunha?
Quando li o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) lembrei-me
daquelas cargas da cavalaria ligeira em que o capitão vai à frente e olha
para trás e o resto da cavalaria não o acompanha. O PEC era o programa do
ministro das Finanças. Não se consegue resolver o problema da despesa
pública se se achar que o controlo dos gastos é somente da
responsabilidade do ministro das Finanças. É da responsabilidade do
Governo e neste sentido não há vida para além do défice.
Muitos governos têm esta tentação: acham que escolhendo um académico
reputado com fama de duro resolve o problema. Isto não dá resultado, nem
vai dar.
Porque é que Portugal não cresce?
Se nós virmos o século XX, Portugal foi o país que mais cresceu no mundo.
Estamos agora numa área onde os nossos parceiros estão a crescer mais.
Portugal vai com certeza crescer em termos absolutos. Mas há muitos que
vão melhorar mais depressa que nós e por isso vamos ficar com a sensação
que ficamos para trás. Eu comparo isto com o Alabama. A maior parte das
pessoas do mundo gostaria de viver nesse Estado norte-americano face aos
países onde estão. Mas o Alabama é o pior Estado dos EUA. Não é mau viver
nesse Estado, excepto se se considera a possibilidade de viver em qualquer
outro.
Mas porque não crescemos mais do que os nossos parceiros?
Tem haver com os fundamentos do crescimento: a educação da força de
trabalho; o mau funcionamento da justiça, e um mercado de trabalho
extremamente pouco flexível.
A mesma taxa de desemprego esconde fluxos muito diferentes de entrada e
saída no mercado de trabalho. E esses fluxos é que são importantes uma vez
que têm a haver com a rapidez com que os recursos se adaptam à realidade,
com os enlaces que se estabelecem.
A chave da produtividade é um bom enlace: ter os trabalhadores certos na
empresa certa. Actualmente a mobilidade no mercado de trabalho não existe.
Depois há pequenas coisas. Um desrespeito latente e permanente à ordem...
O estacionamento é disso exemplo.
Associado a um aumento consumo não está um sacrifício maior do futuro?
Se os créditos estão associados a julgamentos de mercado esse problema não
existe. Como é necessário servir a dívida, esses empréstimos têm de ter
uma rendibilidade superior à taxa de juro de mercado. Embora, é óbvio que
há riscos.
O crédito é uma coisa boa. É uma das maiores invenções da humanidade.
Permite suavizar padrões de consumo, transferir rendimentos para períodos
diferentes no tempo. Se não houvesse crédito não haveria investimento e o
bem-estar das famílias seria muito menor. A demonização do crédito é algo
que não partilho.
E as importações? São algo demoníaco?
As importações são uma coisa excelente também. São também uma grande
invenção da humanidade. Eu consumo o que importo. O meu bem-estar depende
daquilo que importo. Claro que eu preciso de pagar as importações, por
isso tenho de exportar.
As importações aumentam o que tenho disponível para consumir. Pior não
posso ficar. Se alguém me dissesse que eu poderia importar sem produzir e
sem exportar, isso era o nirvana.
O investimento público só faz sentido no longo prazo, se atacar os
fundamentos do crescimento económico
Tem-se falado muito na questão do investimento público para dinamizar a
economia. Faz sentido esta abordagem?
O investimento público ou faz sentido no longo prazo, ou então não faz
sentido nenhum.
Se queremos dinamizar a economia vamos então pôr-nos na
lógica keynesiana de abrir e tapar buracos. Isso gera emprego, como alguém
já afirmou, na Ucrânia ou em Cabo Verde.
O investimento só faz sentido no longo prazo, se atacar os fundamentos do
crescimento económico. Devo confessar que este tipo de argumentos já os
achava ultrapassados.
E numa perspectiva de longo-prazo, fazem estes investimentos sentido. O
estudo do professor Marvão Pereira tem sido apresentado pelo ministro
Manuel Pinho para credibilizar estes projectos e justificar a sua
rendibilidade.
Quem cita esse estudo ou não o leu, ou não o entendeu. O trabalho é um
estudo agregado: ou seja não permite dizer se é este ou aquele projecto
que tem rendibilidade. Desde que se gaste um determinado montante, o
estudo dará sempre o mesmo resultado quer seja a Ota, quer seja a abertura
de estradas na minha serra.
Além disso, o estudo mostra a rendibilidade que existiu dada o ponto de
partida em que a economia portuguesa estava. É como querer usar a taxa de
crescimento de um miúdo desde que nasce até aos sete anos, para estimar a
altura na idade adulta. Ter citado este artigo para justificar este nível
de investimentos revela bem a falta de argumentos. É um argumento
desesperado.
Portugal está centrado no problema e não nas soluções?
Exacto. Quais são as alternativas que estão sobre a mesa? Eu não vi a
lista de alternativas e a sua hierarquização. Não sendo especialista de
transportes eu não sei qual a melhor opção, mas sei que a metodologia
utilizada para a opção destas infra-estruturas deixa-me um pouco
desconfortável.
Perfil: Um economista liberal
Foi eleito director da Faculdade de Economia da Universidade Nova de
Lisboa, depois da saída de Luís Campos e Cunha para o Ministério das
Finanças. Prestigiado econometrista e especialista em economia do
trabalho, Ferreira Machado obteve o Mestrado e o Doutoramento em Economia
na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, nos EUA.
Em paralelo com a sua carreira académica, José Ferreira Machado é
consultor do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal desde
1992.
Por: Filipe Charters de Azevedo
lógica keynesiana de abrir e tapar buracos. Isso gera emprego, como alguém
já afirmou, na Ucrânia ou em Cabo Verde.
O investimento só faz sentido no longo prazo, se atacar os fundamentos do
crescimento económico. Devo confessar que este tipo de argumentos já os
achava ultrapassados.
E numa perspectiva de longo-prazo, fazem estes investimentos sentido. O
estudo do professor Marvão Pereira tem sido apresentado pelo ministro
Manuel Pinho para credibilizar estes projectos e justificar a sua
rendibilidade.
Quem cita esse estudo ou não o leu, ou não o entendeu. O trabalho é um
estudo agregado: ou seja não permite dizer se é este ou aquele projecto
que tem rendibilidade. Desde que se gaste um determinado montante, o
estudo dará sempre o mesmo resultado quer seja a Ota, quer seja a abertura
de estradas na minha serra.
Além disso, o estudo mostra a rendibilidade que existiu dada o ponto de
partida em que a economia portuguesa estava. É como querer usar a taxa de
crescimento de um miúdo desde que nasce até aos sete anos, para estimar a
altura na idade adulta. Ter citado este artigo para justificar este nível
de investimentos revela bem a falta de argumentos. É um argumento
desesperado.
Portugal está centrado no problema e não nas soluções?
Exacto. Quais são as alternativas que estão sobre a mesa? Eu não vi a
lista de alternativas e a sua hierarquização. Não sendo especialista de
transportes eu não sei qual a melhor opção, mas sei que a metodologia
utilizada para a opção destas infra-estruturas deixa-me um pouco
desconfortável.
Perfil: Um economista liberal
Foi eleito director da Faculdade de Economia da Universidade Nova de
Lisboa, depois da saída de Luís Campos e Cunha para o Ministério das
Finanças. Prestigiado econometrista e especialista em economia do
trabalho, Ferreira Machado obteve o Mestrado e o Doutoramento em Economia
na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, nos EUA.
Em paralelo com a sua carreira académica, José Ferreira Machado é
consultor do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal desde
1992.
Por: Filipe Charters de Azevedo